Uma (nada) breve história sobre mim

A maior parte do que já escrevi foi pensando em uma única audiência: eu mesmo. Somente no último ano, conforme decidi dar uma guinada profissional para a escrita, é que comecei a mudar esse direcionamento.

Como esse jardim digital ainda mantém um pouco do espírito antigo, talvez aqui seja o melhor lugar para exceder limites de caracteres com auto indulgência.

Se eu morresse hoje, esse seria o único lugar com o resumo de minha história, tal qual eu percebo.


Uma (nada) breve história sobre mim

Nasci em 1991 em Botucatu, a terra do saci, no interior de São Paulo.

Cresci em uma família de cristãos da linha pentecostal, popularmente autodenominados e pejorativamente referenciados como crentes,

Eu gostava dos hinos, eu gostava da orquestra, comecei a tocar violino para louvar ao Senhor. Eu não entendia por que as vestimentas eram diferentes das pessoas do “mundo”, por que mulheres e homens sentavam-se separados, por que o cooperador chorava gritando no púpito e por que as outras pessoas choravam em resposta, todas muito tristes por viverem num mundo que ia acabar a qualquer momento e somente os crentes se salvariam. Eu não entendia por que as outras pessoas não se salvariam.

Eu não gostava das passagens bíblicas, especialmente a história de Abraão e a de Jó. Essas histórias me faziam questionar o porque de eu louvar a Deus. Mas eu sentia inveja de todos que louvavam, choravam e eram vistos como tementes e adorados por Deus. Eu também queria ser adorado por Deus.

Minha história com os evangélicos estava fadada ao fracasso por causa da minha homossexualidade, ainda não compreendida na infância, mas que me causava tormentas e me fazia sentir errado, desesperado para ser curado por Deus.

Os conflitos da minha sexualidade e a religião me levaram a atos extremos. Aos 11 anos tentei o suicidio, acreditando que assim me tornaria um anjo. Se eu fizesse 12 anos passaria a responder pelos meus pecados e, não entraria no céu, nem seria amado por Deus.

Ninguém soube do que eu tentei fazer, mas internamente algo havia mudado em mim.

Só vim a falar com alguém da minha família sobre isso aos 27 anos.

Esse ato me tornou obcecado em pensamentos suicidas e personalidades suicidas pelos anos seguintes.

Cheguei a adolescência tímido, fraco e com muito ódio por mim mesmo. Presa fácil para os valentões.

Encontrei na automutilação e comportamentos autodestrutivos o alívio para meu sofrimento.

Minha família a essa altura estava tão quebrada quanto eu. Meu pai era um bipolar não tratado e quando as brigas culminaram em violência física, minha mãe pediu a separação. Lembro de achar meu pai um gênio que ficou louco, inclusive por causa da religião, ele metia Deus em tudo. Um dia nos despedimos para nunca mais nos ver.

Eu gostaria que a separação e o abandono do meu pai tivesse sido a única desgraça da família, que servisse para que eu, minha mãe e minhas irmãs nos uníssemos. Contudo, minha mãe saiu debilitada desse processo e uma série de abusos em sequência inviabilizaram que voltássemos a ser uma família funcional. Eu e minhas irmãs fomos negligenciados e cada um seguiu a vida quebrado em algum sentido.

O afeto que eu não encontrava em casa, encontrei na internet

Posteriormente fora de casa

Conforme os anos se passaram

Encontrei refúgio longe de casa, na rua, a noite, com outros adolescentes que se deleitavam com a invencível juventude.

O excesso de álcool e drogas virou rotina. Eu passava dias longe de casa. E alguns anos assim me levaram a novos atos extremos. Enxergava o abuso de ilícitos como uma tentativa de suicídio velada. Consumir drogas novas era como um passatempo, eu queria provar todas, tanto para me tirarem da realidade quanto para me aproximarem da morte.

Vi conhecidos morrerem e serem presos.

Tinha a impressão de que vivia uma vida dupla. Tripla, as vezes. O cara que eu era na escola, o cara que eu era em casa e o cara que eu era na noite - e era esse quem eu era de verdade. Nenhuma dessas três vidas interferia muito uma na outra.

Quando terminei o ensino médio, o tempo livre em abundância,

A sensação de que por mais que eu quisesse não seria capaz de melhorar a vida

Chateado pois tive que continuar mais um ano numa cidade que odiava pois não tinha como me sustentar em outro lugar e tive que abrir mão da primeira bolsa de estudos que consegui

Atingi o ápice, ou melhor, o poço

Por muita sorte não fui fichado pela polícia em dois momentos que ultrapassaram os limites

Nessa época eu me sentia muito sequelado

Era normal passar dias longe de casa

Era normal eu ter grandes apagões que se conectavam entre uma droga e outra

Começar tomando um copo de cerveja e num piscar de olho estar… bem, fazendo outra coisa, em outro lugar, as vezes com pessoas que eu nem conhecia, nem mesmo o lugar.

Uma vez, abri o portão de casa e, no momento seguinte, estava de volta à minha cama. Era o dia seguinte. Meu quarto cheirava a produtos de limpeza. Foram quase 12 horas que simplesmente sumiram do meu cérebro. Algumas pessoas deixaram de falar comigo por coisas que eu nem sequer sei o que fiz. E preferia não lembrar.

Em outro dia, acordei de madrugada no chão de uma esquina. Estava puto comigo mesmo por ter usado uma droga pesada que agravava as sequelas que eu sentia. Nessa noite, sofri o maior ataque homofóbico da minha vida, alguns caras desceram de um carro e me espancaram. Precisei fazer cirurgia e o pós operatório foi a pior parte. Me deu muito tempo sóbrio para pensar na desgraça que minha vida havia se tornado.

Se por um lado o álcool e as drogas prejudicavam meu corpo mais do que eu podia imaginar, também fizeram parte de um lado positivo que nenhum outro período pode me dar.

Foi nessa época que eu aprendi a socializar, a me comportar de forma a conseguir o que precisava, perdi a timidez, adquiri malícia e principalmente confiança para agir como precisava para conseguir o que queria.

Todas características essenciais para

Confiança é uma característica fundamental para obtermos sucesso em nossos projetos

Foram com as pessoas com quem eu bebia e me drogava que aprendi a aceitar minha sexualidade

Que eu aprendi a ter confiança para ser quem eu queria ser como fosse

Quando terminei o ensino médio

Apesar do abuso eu sonhava em estudar e largar minha cidade, deixar o passado pra trás e começar uma vida nova

Queria fazer faculdade

Por anos estava aberto a todo tipo de experiência religiosa nova

Queria encontrar Deus, o Deus que não encontrei na congregação

Algumas drogas me ajudavam a pensar que abriam minha percepção

Não encontrei e passei a me considerar agnóstico. Porém, ainda sofria e sentia culpa.

Até que em algum momento me dei conta de que eu não acreditava em deus

E me dar conta disso me trouxe plenitude, já não fazia sentido sentir a culpa que eu tinha e carregar o sofrimento religioso que eu sentia.

Colocar a culpa em Deus pela minha raiva.

Essa compreensão foi um divisor de águas.

Se Deus não existia, então eu também não via sentido nas coisas

Foi assim que nasceu a filosofia de vida que permeou minhas escolhas na vida adulta

A vida não tem sentido

E ao

pela primeira vez eu não sentia

Uma série de conflitos internos

Minha filosofia de vida

Minhas contradições

Boa parte das memórias são borrões, inclusive depois de adulto

Adolescência